De acordo como Oxford Dictionaiy, o termo "oculto" foi usado pela primeira vez em 1545, com o significado de "o que não é apreendido ou apreensível pela mente; além do alcance da compreensão ou do conhecimento comum". Quase um século depois, em 1633, a palavra recebeu um significado adicional, ou seja, o estudo de "assuntos considerados científicos na antigüidade e na Idade Média e que envolviam o conhecimento ou uso de expedientes de natureza secreta ou misteriosa (como mágica, alquimia, astrologia, teosofia)". Uma definição mais abrangente do "oculto", correspondente ao uso contemporâneo do termo, foi dada por Edward A. Tiryakian, em seu ensaio bastante interessante "Toward the Sociology of Esoteric Cultue". Tiryakian escreve que, por oculto, eu entendo práticas, técnicas e procedimentos intencionais que: a) fazem uso de poderes secretos ou desconhecidos da natureza ou do cosmos, poderes esses incomensuráveis ou irreconhecíveis pelos instrumentos das ciências modernas, e b) que buscam resultados empíricos, tais como o conhecimento da sucessão dos acontecimentos ou a alteração de seu curso normal... Para se ir mais longe, na medida em que a pessoa que pratica a atividade oculta é alguém que adquiriu conhecimento e habilidades necessárias a tais práticas e, na medida em que tais práticas e habilidades são aprendidas e transmitidas de maneira social (embora não abertas ao grande público), de modo organizado, ritualizado, podemos chamar essas práticas de ciências ou artes ocultas.3
A definição de "esoterismo" é um pouco mais sutil. Por "esotérico", Tiryakian compreende aqueles sistemas de crenças religioso-filosófica que estão subjacentes em técnicas e práticas ocultas; ou seja, o termo se refere aos mais abrangentes levantamentos da natureza ou do cosmos, às reflexões epistemológicas e ontológicas da realidade última, levantamentos que constituem a soma de conhecimentos necessários às práticas ocultas.4
Contudo, o representante contemporâneo mais importante e significativo do esoterismo, ou seja, René Guénon, se opõe energicamente às assim chamadas práticas ocultas. Conforme vèremos, essa distinção é importante e nos auxiliará na compreensão das funções paralelas desempenhadas pelo ocultismo e pelo esoterismo nos dias atuais.
Como é bem sabido, essas crenças, teorias e técnicas chamadas ocultas e esotéricas já eram populares na Alta Antigüidade. Algumas delas, como, por exemplo, a magia, a astrologia, a teurgia e a necromancia, haviam sido imantadas ou sistematizadas há uns 2.000 anos antes, no Egito ou na Mesopotamia. É desnecessário dizer que essas práticas, em sua maioria, não desapareceram totalmente durante a Idade Média. Contudo, recuperaram um novo prestígio, tornando-se altamente respeitáveis e en vogue na Renascença italiana. Voltaremos a esse terna, porque, pelo menos Indiretamente, ele fornece uma nova perspectiva ao tópico em estudo.
ESCRITORES FRANCESES DO SÉCULO XIX E SEU INTERESSE PELO OCULTO
A moda do ocultismo toi criada por um seminarista francês, Alphonse Louis Constant, nascido em 1810 e conhecido por seu nom de plume, Eliphas Lévi.5 Na realidade, o termo "ocultismo" foi criado por esse quase padre e usado pela primeira vez em inglês pelo teosofista A. D. Sinnet, em 1881. Quando já adulto, Levi leu a Kabbala Denudata de Christian Rosenroth e, por fim, os trabalhos de Jacob Boehme, Swendenborg, Louis-Claude de Saint-Martin ("le Philosophe Inconnu") e outros théosophes do século XVIII. Seus livros — Dogme et rituel de la haute magie (1856), L'Histoire de la magie (1859) e La Clef des grands mvstères (1861) — obtiveram um sucesso incompreensível até o dias atuais, porque não passam de uma soma de afirmações pretensiosas. O "Abbé" Lévi foi "iniciado" em várias sociedades secretas — os Rosa-cruzes, os maçons, etc. — tanto da França quanto da Inglaterra; ele teve a chance de encontrar pessoalmente Bulwer-Lytton, autor do famoso romance ocultista Zanoni e chegou a impressionar Madame Blavatsky, a fundadora da Sociedade Teosófica.
Eliphas Lévi, que morreu em 1875, foi altamente considerado pela geração seguinte de neo-ocultistas franceses. O mais notável de seus discípulos foi Dr. Encausse, nascido em 1856, que adotou o pseudônimo "Papus".6 Papus afirmava ter aprendido o ritual iniciatório de um indivíduo bastante misterioso, Don Martines de Pasqually (1743-74), fundador de uma nova ordem esotérica pomposamente chainada de Franc-Maçonnerie des Chevaliers Maçons Elus Cohen de l'Univers.1 Papus também pretendia ser o "verdadeiro discípulo" de Saint-Martin, o Philosophe Inconnu.8 Não posso examinar aqui, em detalhes, a tese central de Martines de Pa.squally;basta dizer que, para ele, a iniciação visava conceder novamente ao homem seus "privilégios adâmicos", ou seja, recuperar novamente a condição inicial de "homens-deuses criados à semelhança de Deus". Tais convicções eram compartilhadas pelo Philosophe Inconnu e pela grande maioria dos théosophes cristãos do século XVIII. Com efeito. para todos esses autores, a condição original do homem antes da Queda poderia ser recuperada através da "perfeição espiritual", teurgia (ou seja, a evocação de espíritos angélicos) ou operações alquímicas. As inumeráveis sociedades secretas, grupos místicos e lojas maçônicas do século XVIII buscavam, todas elas, a regeneração do homem decaído. Seus símbolos centrais eram o Templo de Salomão, que deveria ser reconstruído simbolicamente, a Ordem dos Cavaleiros Templários, que esses grupos pretendiam reconstituir, pelo menos parcialmente; e o Graal, cujo mito e significado oculto, supunha-se, estariam presentes nas operações de alquimia espiritual.
Papus afirmava ter tido acesso a toda essa tradição oculta. Por conseguinte, ele criou — sua expressão foi "reconstituiu — a Ordem Martinista, através da qual ele se dispôs a revelar aos dicípulos a doutrina secreta de Louis-Claude de Saint-Martin. Contudo, de acordo com os cognoscenti, esta ordem refletia, quase exclusivamente, as idéias pessoais de Papus. Não obstante, a Ordem Mai cinista teve no começo grande número de adeptos. Entre os membros do seu primeiro "conselho supremo" estavam vários escritores famosos, por exemplo, Maurice Barres, Paul Adam, Joseph Péladan, Stanilas de Guaita e outros. Simultaneamente Papus cooperou na fundação de outros grupos ocultistas, tais como L'Ëglise Gnostique Universelle e L'Ordre Kabbalistique de la Rose-Croix.
O que é significativo nesse interesse fin de siècle pelo oculto é o papel desempenhado pelos escritores franceses. Mesmo um cético como Anatole France declarou, num artigo publicado em 1890, que um certo conhecimento das Ciências Ocultas tomou-se necessário para a compreensão de muitas obras literárias deste período. A magia ocupou um lugar importante na imaginação de nossos poetas e romancistas. O fascínio pelo invisível tomou conta.deles, a idéia do desconhecido os perseguiu, e o tempo voltou a Apuleio e Flegon de Trales.9
Anatole France estava correto. Com efeito, um dos romances mais populares da época, Là Bas, de J. K. Huysmans, inspirava-se num praticante da magia negra contemporâneo, o padre católico apóstata Abbé Boullan e na rivalidade existente entre esse mágico e outro,o escritor Stanilas de Guaita. Na realidade, quando Boullan morreu, em 1893, Huysmans e outros adeptos do grupo ocultista acusaram Guaita, de ser o causador da morte, valendo-se de recursos da magia negra.10 Creio ser importante também salientar que, aproximadamente nessa mesma época, alguns escritores ingleses deixaram-se envolver pelas práticas ocultas e buscaram ansiosamente iniciar-se nas sociedades secretas. Gostaria de lembrar-lhes da Order of the Golden Dawn, da qual faziam parte William Butler Yeats, S. L. Mathews e Aleister Crowley.11
Não examinarei a histona posterior desses movimentos ocultistas ou a origem e o desenvolvimento da Sociedade Teosófica de Madame Blavatsky e de outros grupos paralelos, tais como a Anthroposophical Society de Rudolf Steiner. Contudo, duas observações devem ser feitas sobre esse ponto. (1) A crítica mais destrutiva e arrasadora desses assim chamados grupos ocultistas partiu não de um observador nacionalista, "de fora", mas de um membro de seu círculo fechado, uma pessoa devidamente iniciada em algumas ordens secretas e bem familiarizada com suas doutrinas ocultistas; além disso, essa crítica foi feita, não de uma perspectiva cética ou positivista, mas a partir do que ele chamou de "esoterismo tradicional". Este crítico culto e inteligente foi René Guénon. (2) Com algumas exceções, os movimentos ocultistas não atraíram a atenção dos grandes historiadores de idéias da época, mas fascinaram,realmente,um grande número de escritores importantes, desde Baudelaire, Verlaine e Rimbaud até André Breton e alguns autores póssurrealistas, como René Daumal.
Voltarei posteriormente a René Guénon e sua crítica intransigente de todos os movimentos ocultos e pseudo-espiritualistas do século passado. Por agora, consideremos o efeito de tais concepções sobre os escritores europeus e, particularmente, o significado de seu interesse pelo oculto. Já no século XVIII, durante o Iluminismo e nos períodos pré-romântico e romântico da primeira parte do século dezenove, alguns autores franceses e alemães fizeram livre uso em suas obras do conhecimento teosófico e ocultista. Entre os anos de 1740 e 1840 apareceram vários romances e contos de grande popularidade, sendo alguns excelentes, assinados por Goethe (Wilhelm Meisters Wanderjahre), Schiller (Der Geistesseher, 1787), Jean-Paul (Die Unsichbhare Loge, 1793) Achim von Amim (Der Kronenwachter, 1817), Novalis (Die Lehrlinge von Sais, 1797-98), Zacharias Werner (Die Sdhne des Thales, 1803), Charles Nodier (Trilby, 1822, Jean Sbogar, 1818, etc.), Balzac (Séraphita, 1834) e outros. Naturalmente, é difícil procurar um denominador comum entre todos esses trabalhos literários. Contudo, pode-se afirmar que seus temas e ideologia refletiam uma esperança numa renovatio pessoal ou coletiva — uma restauração mística da dignidade e dos poderes originais do homem; em suma, as criações literárias refletiam e exploravam as concepções dos teosofistas do século XVII e XVIII e de suas fontes.
Observa-se uma orientação bastante diferente entre os escritores franceses da segunda metade do século dezenove, que se deixaram atrair pelas idéias, mitologias e práticas divulgadas por Eliphas Lévi, Papus e Stanislas de Guaita. Desde Baudelaire e Verlaine, Lautréamont e Rimbaud, até nossos contemporâneos, André Breton e seus discípulos, todos esses artistas valeramse do oculto como arma poderosa em sua rebelião contra o establishment burguês e sua ideologia.12 Eles rejeitam a religião, a ética, as convenções sociais e estéticas contemporâneas. Alguns deles são, não somente anticlericais, como a maior parte da elite intelectual francesa, mas também anticristãos; na realidade, eles rejeitam todos os valores judeu-cristãos e os ideais greco-romanos e renascentistas. O seu interesse pelo Gnosticismo e por outros grupos secretos era motivado, não só pela doutrina ocultista, mas também pelo fato de esses grupos terem sido perseguidos pela Igreja. Aqueles artistas estavam procurando, nas tradições ocultistas, elementos anteriores ao Judeu-Cristianismo e ao classicismo grego, ou seja, métodos criativos e valores espirituais egípcios, persas, hindus e chineses. Buscavam seu ideal estético nas artes mais primitivas, na revelação "primordial" da beleza. Stéphane Mallarmé declarou que um poeta moderno deveria ir além de Homero, porque a decadência da poesia ocidental havia começado com ele. Quando o entrevistador lhe perguntou "Mas que poesia existiu antes de Homero?", Mallarmé respondeu: "Os Vedas!".
Em nosso século, os escritores e artistas de vanguarda foram ainda mais longe: buscaram novas fontes de inspiração nas artes plásticas do Extremo Oriente e nas máscaras e estátuas africanas e oceânicas. O surrealismo de André Breton decretou a morte de toda a tradição estética ocidental. A exemplo dos outros surrealistas, como Eluard e Aragon, ele aderiu ao comunismo; da mesma forma que eles, procurou inspiração nos diversos impulsos do Inconsciente e também na alquimia e no satanismo. René Daumal estudou Sânscrito como autodidata e descobriu a estética hindu; além disso, estava convencido de que, sob a orientação de Gurdjiev, o misterioso Mestre Caucasiano, havia descoberto uma tradição iniciatória há muito desaparecida no Ocidente.13 Em suma, desde Baudelaire a André Breton, a influência do oculto representou para a vanguarda literária e artística francesa um dos meios mais eficazes de crítica e rejeição aos valores culturais e religosos do Ocidente — sendo sua eficácia proveniente da suposta base histórica que se atribuía a esse fenômeno.
Estou enfatizando esse aspecto do problema porque, como é bem sabido, revoluções artísticas (ou seja, transmutações de valores estéticos) antecipam o que irá ocorrer uma ou duas gerações mais tarde num segmento mais amplo da sociedade. Além disso, o interesse dos escritores pelo oculto foi, pelo menos parcialmente, contemporâneo das investigações de Freud sobre o Inconsciente e da descoberta do método psicanalítico, o que contribuiu consideravelmente para a modificação dos costumes e modos de pensar europeus. Freud conseguiu provar os valores gnosiológicos das criações da fantasia, que, até então, eram considerados sem sentido e obscuros. Uma vez que havia possibilidade de se articularem as expressões do Inconsciente através de um sistema significativo comparável a uma linguagem não verbal, o grande número de universos refletidos nas criações literárias revelou que havia nelas uma significação secreta e mais profunda, bastante independente do valor artístico dos respectivos trabalhos.
DOUTRINAS ESOTÉRICAS E ERUDIÇÃO CONTEMPORÂNEA
Quando se observam os tempos modernos, fica-se impressionado com uma diferença significativa: enquanto o envolvimento dos escritores do século dezenove pelo oculto não encontrava paralelo na atitude dos historiadores de idéias, uma situação diversa tem-se verificado nos últimos trinta ou quarenta anos. Embora haja alguns autores que sigam a linha de Huysmans ou André Breton, as contribuições mais decisivas e reveladoras para a compreensão das tradições ocultistas têm sido resultado do trabalho de historiadores de idéias. Na realidade, pode-se afirmar com quase absoluta certeza qua a fantástica popularidade de que goza o oculto desde a metade da década de 60 foi antecipada por uma série de obras científicas fundamentais que tratavam das doutrinas esotéricas e práticas secretas, publicadas entre 1940 e 1960. Naturalmente, não podemos esquecer que duas das mais famosas descobertas deste século revelaram alguns documentos produzidos por grupos secretos ou esotéricos. Refiro-me à biblioteca gnóstica de Nag Hammadi e aos manuscritos descobertos nas cavernas do Mar Morto, provavelmente pertencentes a uma comunidade essênia. A publicação e tradução desses documentos ainda está sendo realizada. Contudo, já se sabe muito sobre duas questões que foram objeto de várias controvérsias até a última geração.
Não obstante essas descobertas arqueológicas, a erudição contemporânea produziu alguns trabalhos valiosos que modificaram radicalmente nossa compreensão e apreciação da tradição espiritual esotérica. Em primeiro lugar, devo citar as esplêndidas monografias ae Gershom Scholem sobre a Cabala, o gnosticismo e os sistemas místicos judeus. A erudição e a sensibilidade de Scholem desvendaram um profundo e coerente universo significativo em textos geralmente desprezados como magia ou superstição. Exemplos de trabalhos menos conhecidos, realizados por leitores não especializados, são os livros e traduções de tratados esotéricos ismaelitas da tradiçao islâmica persa, divulgados por Henri Corbin e seus discípulos.14 Também foram importantes as publicações de René Forestier sobre os Maçons ocultistas do século XVIII; as publicações de Alice Joly e Gerard van Rijnbeck sobre Martines de Pasqually e as lojas maçônicas secretas de Lyon; as publicações de Antoine Faivre sobre o esoterismo do século XVIII, e outras.15 Da mesma forma, nos últimos 30 anos, temos presenciado uma avaliação mais correta e abrangente das alquimias chinesas, hindus e ocidentais. Até recentemente, considerava-se a alquimia ou como uma protoquímica — isto é, uma disciplina embrionária, ingênua ou pré-científica— ou como um acervo de asneiras culturalmente irrelevantes. As pesquisas de Joseph Needham e Nathan Sivin comprovaram a estrutura global da alquimia chinesa, isto é, o fato de ser ela uma ciência tradicional sui generis, incompreensível quando abstraída de suas cosmologias e pressuposições éticas e, por assim dizer, "existenciais", e suas implicações soteriológicas.16 Meu estudo da alquimia hindu fez-me descobrir suas relações orgânicas com a ioga e o tantra, isto é, com técnicas especificamente psicomentais.17 Além disso, é significativo o fato de que, na China, a alquimia estava intimamente relacionada com práticas secretas taotístas; na Índia, fazia parte da ioga tântrica; e, no ocidente, a alquimia greco-egípcia e renascentista foi usualmente associada ao gnosticismo e ao hermetismo, ou seja, a uma tradição secreta "ocultista"
Se me é permitido fazer referência à minha limitada experiência pessoal, eu acrescentaria que, em 1928, quando, jovem estudante, me dediquei à ioga e ao tantra sob a orientação de S. N. Dasgupta, na Universidade de Calcutá, podiam-se contar nos dedos os livros bons e profundos sobre essa matéria. Hoje, existem talvez 50 ou 60 publicações sérias e algumas delas Eontêm edições e traduções de textos sánscritos e tibetanos considerados secretos, ou seja, de circulação exclusiva entre os membros de certas seitas. (É verdade, contudo, que esses textos são quase ininteligíveis sem o comentário oral de um mestre.) Além disso, enquanto há meio século se julgava a maior parte dos textos iogues e tantricos como tolice pura ou produto de faquires ignorantes e psicopatas adeptos da magia negra, pesquisas ocidentais e hindus têm provado amplamente sua coerência teórica e seu grande interesse psicológico.18 Posso citar-lhes um outro exemplo disso: quando, nos anos quarenta, co mecei a estudar o xamanismo siberiano e centro-asiático, existiam apenas duas monografias sobre esse tópico, escritas em alemão; hoje em dia há uma bibliografia considerável na maior parte das línguas européias ocidentais.19 O xamanismo era considerado, há uma geração, como um fenômeno psicopata ou uma técnica primitiva de cura e um tipo arcaico de magia negra, mas os estudos contemporâneos têm demonstrado, sem sombra de dúvidas, o rigor e o profundo significado espiritual das práticas xamanísticas. Os resultados dessa mudança de mentalidade são importantes se levarmos em consideração que o xamanismo é a tradição oculta mais antiga e de distribuição mais ampla. É necessário acrescentar que, hoje, a ioga, o tantra e o xamanismo são muito populares na cultura jovem americana e exercem uma certa influência no interesse atual pelo oculto.20
Um resultado extremamente surpreendente da pesquisa contemporânea sobre esse assunto foi a descoberta da função importante que a magia e o esoterismo hermético exerceram, não só durante a Renascença italiana, mas também como fator de influência no triunfo da nova astronomia de Copérnico, ou seja, da teoria heliocêntrica do sistema solar. Num livro recente, Giordano Bruno and the Hermetic Tradition, Frances A. Yates analisou de maneira brilhante as profundas implicações que o entusiasmo exaltado pelo hermetismo exerceu nesse período. Este entusiasmo revela o anseio do homem renascentista por uma revelação "primordial" que incluísse não só Moisés e Platão, mas também a Magia e a Cabala e, mais que tudo, as religiões misteriosas do Egito e da Pérsia. O fato revela também unia insatisfação profunda com relação à Teologia medieval e com a concepção medieval do homem e do universo, uma reação contra o que podemos chamar uma civilização "provinciana", isto é, puramente Ocidental, e um anseio por uma religião universal, trans-histórica, "mítica". Durante dois séculos, o Egito e o hermetismo, ou seja, a magia egípcia e o esoterismo, obcecaram vários teólogos e filósofos — tanto os crentes quanto os céticos e os criptoateus. O fato de Giodano Bruno ter recebido entusiasticamente as descobertas de Copérnico não se deveu em primeiro lugar à sua importância científica e filosófica, mas ao fato de ter ele compreendido o profundo significado religioso e mágico do heliocentrismo. Enquanto estava na Inglaterra, Bruno profetizou a volta iminente da religião oculta dos antigos egípcios, conforme expressa em Asclepios, um texto hermético famoso. Bruno se sentia superior a Copérnico, porque, enquanto o último via sua teoria exclusivamente do ponto de vista matemático, o primeiro podia interpretar o diagrama celestial de Copérnico como um hieroglifo dos mistérios divinos.21
Eu poderia citar outros exemplos, mas terminarei essa visão retrospectiva com um breve comentário sobre a nova maneira como os europeus de hoje encaram a bruxaria. Há uns oitenta anos atrás, sábios eminentes como Joseph Hansen e Henry Charles Lea consideravam como definitivas as conclusões quanto às origens da bruxaria ocidental: foi a Inquisição, não as próprias bruxas, que inventou a bruxaria. Em outras palavras, todas as histórias de assembléias de bruxas, práticas satanistas, orgias e crimes eram consideradas como criações imaginárias de pessoas neuróticas ou declarações obtidas dos acusados nos tribunais, especialmente através de torturas. Realmente, esse foi um expediente usado na caça às bruxas nos séculos 15, 16 e 17. Contudo, sabemos que a bruxaria não foi inventada pela inquisição. À Inquisição coube simplesmente associar a bruxaria com as heresias e, conseqüentemente, procurar exterminar as chamadas bruxas com o mesmo rigor com que se perseguiam os hereges. Esse fato é evidente a qualquer historiador de religiões familiarizado com fenômenos culturais não europeus, particularmente indo-tibetanos, onde muitos traços semelhantes existem.22
Contudo, permanecia sem solução o problema da origem da bruxaria ocidental. Em 1921, Margaret Murray, uma ex-egiptóloga, publicou The Witch- Cult in Western Europe, um livro que causou grande repercussão na época e é, até hoje em dia, de grande popularidade, principalmente entre os jovens. A Dra. Murray defendia a tese de que o fenômeno da bruxaria, conforme o chamavam os autores eclesiásticos, nada mais era do que uma religião primitiva, pré-cristã, de fertilidade. Em livros subseqüentes, a autora aprofundou sua pesquisa, tentando provar a sobrevivência do culto pagão mesmo entre membros da família real inglesa e na mais alta hierarquia eclesiástica. Compreende-se facilmente a reação de critica por parte de arqueólogos, historiadores e estudiosos do folclore. Na realidade, quase tudo na teoria de Murray era falso, exceto um pressuposto muito importante: realmente existiu um culto pré-cristão de fertilidade e, durante a Idade Média, os remanescentes desse culto foram taxados de bruxaria. Não se tratava de uma idéia nova, mas coube às obras de Murray divulgá-la. Devo esclarecer logo que não são convincentes nem os documentos escolhidos por ela como ilustração de sua hipótese nem seu método de interpretação. Contudo, pesquisas recentes parecem confirmar pelo menos alguns aspectos de sua tese. O historiador italiano Carlo Ginsburg provou que um culto de fertilidade, de grande aceitação pelo povo, era na província de Friul, nos séculos dezesseis e dezessete, e esse culto modificou-se, sob pressão da Inquisição, terminando por assemelhar-se à concepção tradicional de bruxaria.23 Além disso, pesquisas recentes sobre a cultura popular romena revelaram fenômenos pagãos remanescentes que demonstram a nítida existência de um culto de fertilidade que pode ser caracterizado como "magia branca", comparável a alguns aspectos da bruxaria medieval do Ocidente.24
A partir dessas considerações, podemos concluir que os estudos contemporâneos descobriram o significado real e a função cultural de um grande número de práticas, crenças e teorias ocultas registradas em muitas civilizações, tanto européias como não européias e em todos os níveis de cultura, desde os ritos populares — como magia e bruxaria — até as técnicas secretas e pesquisas esotéricas mais eruditas e sofisticadas: alquimia, ioga, tantrismo, gnosticismo, hermetismo renascentista e lojas maçônicas do período iluminista.
A MAIS RECENTE EXPLOSÃO OCULTISTA
É difícil determinar a relação entre esses estudos e a "explosão ocultista" dos anos setenta. Talvez apenas os chamados centros de magia branca, agora florescentes na Inglaterra, refletiam a influência da teoria de Murray. Parece não haver nenhuma relação entre a pesquisa científica sobre a história da Astrologia — deixe-se bem claro, de bem modestas proporções — e a popularidade surpreendente dessa disciplina antiquíssima. Mesmo se tivéssemos mais tempo à nossa disposição, não poderíamos apresentar um quadro completo do prestígio contemporâneo da Astrologia nos Estados Unidos e na Europa. Basta dizer que pelo menos 5 milhões de americanos organizam suas vidas de acordo com predições astrológicas, e uns 1.200 dos 1.750 jornais diários do país publicam horóscopos.
Há atividade bastante para 10.000 astrólogos, trabalhando em tempo integral, e para outros 175.000, em meio horário. Calcula-se que mais ou menos 40 milhões de americanos fizeram do zodíaco um negócio que movimenta 200 milhões de dólares por ano. Atualmente, há vários computadores trabalhando no cálculo e na interpretação de horóscopos. Um desse publica um horóscopo de dez mil palavras em poucos minutos ao preço de 20 dólares. Um outro fornece horóscopos do dia a mais ou menos dois mil "campi" em todo o país. Um terceiro computador, localizado na Grand Central Station, imprime uma média de 500 horóscopos por dia.25
Sabe-se, é claro, que a Astrologia, a esperança de se conhecer o futuro, tem sido sempre popular entre ricos e poderosos — entre reis, príncipes, papas, etc. — desde a Renascença. Pode-se acrescentar que, em última análise, a crença na previsão do destino pela posição dos astros é um outro exemplo da derrota do Cristianismo. Com efeito, os padres da Igreja atacaram ferozmente o fatalismo astrológico dominante nos últimos séculos do Império Romano. Taciano escreveu: "Estamos acima do Destino, o Sol e a Lua são feito para nós!"26 Apesar dessa teologia da liberdade humana, a Astrologia nunca foi extirpada do mundo cristão. Contudo, jamais, no passado, ela alcançou a proporção e o prestígio dos dias atuais. Que progresso fantástico desde o primeiro periódico mensal, editado em Londres, em agosto de 1971, até os muitos milhares de revistas astrológicas publicadas atualmente em todo o mundo ocidental. A história do sucesso vertiginoso e do prestígio da Astrologia nas sociedades modernas constitui leitura fascinante. A glória de Evangeline Adams, que chegou a Nova Iorque em 1899 e logo se tornou "A Nostradamus da América", é apenas um exemplo modesto disso. Mary Pickford e Enrico Caruso levavam para ela todos os astros do cinema e da ópera, e comentava-se que o financista J. Pierpont Morgan "nunca realizava uma transação em Wall Street", sem antes a consultar. Outros astrólogos tomaramse famosos nos anos trinta, por exemplo, Thomas Menes, de quem se dizia ter "um recorde jamais ultrapassado de predições realizadas".27 Apesar de a maior parte de suas predições ter-se revelado falha, seu prestígio não foi abalado por isso. Creio ser desnecessário lembrar-lhes o interesse de Hitler pela Astrologia. Conforme se pode ler na obra de H. R. Trevor-Roper, The Last Days of Hitler, em meados de abril de 1945, Hitler e Goebbels ainda consultaram o horóscopo, que lhes predizia uma vitória decisiva por ocasião do fim do mês e a paz em agosto. Contudo, Hitler se matou a 30 de abril e o exército alemão se rendeu a 7 de maio. Finalmente, podemos nos lembrar dos inumeráveis programas astrológicos que têm aparecido na televisão, apesar da interdição aprovada pela National Association of Broadcasters, em março de 1952, e do fato de "bestsellers" como o livro de Ruth Montgomery, A Gift of Prophesy, terem vendido mais que 260 mil cópias, em capa dura, e 2.800.000, em brochura.
Qual será a explicação desse sucesso fantástico? Recentemente, alguns sociólogos e psicólogos franceses publicaram um livro, Le Retour des Astrologues (1971), no qual apresentam e analisam os resultados de uma pesquisa baseada em dados fornecidos pelo French Institute of Public Opinion.28 Eu não entrarei em detalhes quanto às características sociais dos adeptos da Astrologia, classificados por sexo, ocupação, idade e tamanho das localidades onde esses dados foram obtidos. Citarei apenas algumas das conclusões: Edgard Morin, por exemplo, interpreta a atração exercida pela Astrologia sobre os jovens contemporâneos como "originária da crise cultural da sociedade burguesa". Ele pensa que, para a cultura jovem, "a Astrologia faz parte também de uma nova gnose, que se fundamenta numa concepção revolucionária de uma nova era, a Era de Aquarius". O que é altamente relevante é o fato de o maior interesse por Astrologia "não ser encontrado no campo, entre os fazendeiros e as camadas mais baixas da estrutura ocupacional, mas, ao contrário, nos centros urbanos, mais densamente povoados e entre os empregados de escritórios".29
Os autores franceses não insistiram na função para-religiosa da Astrologia, contudo, a descoberta da relação entre a vida e fenômenos astrais confere realmente um novo significado à existência. O homem não é o simples indivíduo anônimo descrito por Heidegger e Sartre, um estranho lançado num mundo absurdo e sem sentido, condenado à liberdade, conforme Sartre costumava dizer, um ser cuja liberdade restringia-se à sua situação e condição no seu momento histórico. É verdade que de acordo com a Astrologia, o movimento das estrelas determina a vida humana, mas essa determinante, pelo menos, tem uma magnitude incomparável. Não obstante ser, em última análise, um boneco guiado por cordas invisíveis, o homem considera-se, contudo, parte do mundo celestial. Além disso, essa pré-determinação cósmica de sua existência constitui um mistério: isso quer dizer que o universo se move de acordo com um plano preestabelecido; que a vida humana e a própria história seguem um modelo e avançam progressivamente rumo a uma meta. Esse objetivo último é secreto ou inacessível à mente humana; mas, pelo menos, dá sentido a um cosmos considerado pela maior parte dos cientistas como resultante do mero acaso, e dá orientação à existência humana, considerada de trop por Sartre. Essa dimensão para-religiosa da Astrologia é colocada em nível superior às demais religiões existentes, uma vez que não implica em quaisquer problemas teológicos de difícil solução: a existência de um deus pessoal ou transpessoal, o enigma da Criação, a origem do mal e outros. Basta seguir as instruções de seu horóscopo e o homem estará em harmonia com o universo e não terá que se preocupar com problemas difíceis, trágicos ou insolúveis. Simultaneamente, o homem aceita, consciente ou insconscientemente, que se lhe revele um drama cósmico, grandioso, embora imcompreensível, do qual ele faz parte; por isso, ele não se considera de trop.
Tais autopromoções a um status respeitável são obtidas com uma intensidade maior em quase todos os movimentos contemporâneos chamados mágicos ou ocultistas. Não discutirei alguns dos redutos satanistas bastante popularizados, como o de Anton La Vey, sumo sacerdote e fundador da Church of Satan em São Francisco. Os leitores interessados nesse tipo de revolta agressiva contra a interpretação teística do mundo, poderão ler o próprio livro de La Vey, The Satanic Bible.3° Também embora por diferentes motivos, não examinarei certas escolas ocultistas, como a fundada por Gurdjiev e interpretada por Ouspensky, René Daumal e Louis Pauwels. Além disso, há alguns grupos recentes na Califórnia dos quais se diz praticarem cerimônias mágicas e bruxarias, mas a informação que temos é insuficiente e suspeita. Contudo, o que tem sido chamado "explosão ocultista", alcançou proporções tais que é fácil selecionar exemplos para ilustrar a orientação geral desses novos cultos secretos e mágico-religiosos.31 Assim, no livro de Robert Ellwood, Religious and Spiritual Groups in Modern America, podemos encontrar dados sobre cultos como os Builders of the Adytum, a Church of Light, a Church of all World ou a Feraferia.32 Ficamos sabendo que os Builders of the Adytum, grupo fundado por Paul Forster Case (1884-1954), adotam as tradições herméticas e cabalísticas. "O Templo é brilhante, com lindas pinturas luminosas das cartas do Tarot por todas as paredes, e o altar é suntuoso com os pilares preto e branco de Salomão e da Árvore cabalística".33 A Church of Light foi fundada em 1932 por Elbert Benjamine (1882-1951), que afirmava ter, em 1909, "empreendido uma viagem misteriosa durante a qual ele foi empossado como um dos três membros de um conselho" que governava uma ordem secreta, num mundo à parte. A Church of Light tem 50 graus de iniciação, "culminando no Grau da Alma, no qual se deve demonstrar ter ocorrido progresso através de estados cada vez mais elevados de consciência".34 Uma seita bastante fora do comum, mesmo com relação a padrões recentes do ocultismo contemporâneo, é a Church of All World, fundada em 1961 por dois alunos do Westminster College, em Missouri, a partir da leitura de Stranger in a Strange Land, escrito pelo famoso autor de ficção científica Robert A. Heinlein. Os membros se saúdam com a frase "Tu és Deus". Com efeito, cada ser humano é Deus e tem, conseqüentemente, responsabilidade divina: "depende de nós que haja ou a destruição total do mundo ou a conscientização nesse planeta da adorável deusa (isto é, a biosfera total da terra)".35
Finalmente citarei o movimento neopagão Feraferia, provavelmente um dos mais recentes entre eles, com sede em Pasadena, Califórnia. Os princípios do movimento foram estabelecidos por seu fundador, Frederick M. Adams, a dois de agosto de 1967. O grupo tem apenas vinte e dois iniciados e aproximadamente cento e sessenta membros; observa a mudança das estações e pratica o nudismo. "De acordo com o movimento, a vida religiosa deve fazer parte de uma interação sensitiva com a natureza e com a necessidade erótica de cada um."36 Seu símbolo central é a deusa grega Kore, filha de Demeter. O ritual de iniciação realiza uma identificação com a natureza e com Kore, a Virgem divina, e os iniciados procuram, através da horticultura, recriar um paraíso primordial. "Feraferia vê a si própria como um movimento precursor de uma cultura futura em que será reinstaurado o arquétipo feminino — sob a forma da Virgem Mágica — que será o centro da vida religiosa e através da qual a humanidade ira recuperar um sentimento de reverência em seu relacionamento com a natureza e a vida."37
A ESPERANÇA DE RENOVATIO
Muitos desses cultos e seitas irão sofrer transformações radicais ou desaparecerão, provavelmente a fim de serem substituídos por outros grupos. Em todo caso, eles são representativos da cultura jovem contemporânea e exprimem a paixão pelo oculto com mais vigor e nitidez do que o fizeram organizações mais antigas, como a Sociedade Teosófica ou a Antroposofia. Todos esses grupos e seitas se caracterizam por traços específicos. Em primeiro lugar e principalmente, é evidente sua insatisfação para com a Igreja Cristã, seja ela Católica Romana ou Protestante. Em termos mais amplos, pode-se falar de uma revolta contra qualquer establishment tradicional religioso do Ocidente. Essa revolta não implica numa crítica teológica ou filosófica dos dogmas e das instituições eclesiásticas específicas, mas numa insatisfação mais geral. Na realidade, a maior parte dos membros dos novos cultos ignora quase completamente sua própria herança religiosa, mas sente-se insatisfeita com que o que viu, ouviu ou leu sobre o Cristianismo. Há segmentos da nova geração que esperavam de suas igrejas mais do que uma instrução ético-social. Muitos dos que tentaram participar ativamente da vida da igreja buscavam experiências místicas e especialmente instrução sobre o que chamavam, vagamente, "gnose" e misticismo. É óbvio que foram desiludidos. Nos últimos 50 anos, todas as seitas religiosas resolveram mudar seu campo de ação, procurando agir mais vigorosamente no plano social. A única tradição cristã ocidental que conservava uma poderosa liturgia sacramental era a Igreja Católica Romana e, mesmo assim, ela está tentando, no momento, drasticamente, simplificá-la. Além dos mais, a "gnose" e o misticismo foram, desde o começo, objeto de perseguição e reprovação por parte das autoridades religiosas. As igrejas ocidentais mal toleravam o misticismo e as experiências místicas. Pode-se dizer que apenas o Cristianismo Ortodoxo do Oriente elaborou e conservou uma tradição litúrgica rica e que ele tem incentivado a ambas, a especulação gnóstica e a experiência mística.
Devo logo acrescentar que tal insatisfação para com a tradição cristã não explica o interesse crescente pelo oculto que teve início nos anos sessenta e preparou a explosão ocultista dos anos setenta. É verdade que houve, por vezes, uma intenção anticlerical em manifestações de bruxaria e gnosticismo: pode-se afirmar que essas manifestações visavam chocar, eram um tipo de vingança por parte de vítimas de perseguições religiosas. Contudo, esses foram casos esporádicos. O fato mais geral deveu-se a uma rejeição da tradição cristã em favor de um método supostamente mais abrangente e mais eficiente de se alcançar uma renovatio individual e, ao mesmo tempo, coletiva.38 Mesmo quando tais idéias são objeto de formulações ingênuas ou mesmo ridículas, há sempre a convicção tácita de que existe uma maneira de se escapar do caos e da falta de sentido da vida moderna e que essa maneira implica numa iniciação e, conseqüentemente, numa revelação de segredos antigos e veneráveis. É, basicamente, a atração por uma iniciação pessoal que explica o grande interesse pelo oculto. Como é bem sabido, o Cristianismo rejeitou o tipo de religiões de mistérios que exigem iniciação secreta.39 Todos podem participar do "mistério cristão"; ele foi "proclamado aos quatro ventos", e os gnósticos foram perseguidos por causa de seus rituais secretos de iniciação. Na explosão ocultista contemporânea, a "iniciação", independente do conceito que o participante tenha do termo, tem uma função capital: ela confere um novo status ao adepto: ele se sente "eleito" de uma certa forma, escolhido no meio da multidão anônima e solitária. Além disso, na maioria dos círculos ocultistas, a iniciação tem também uma função suprapessoal, porque supõe que cada novo adepto contribua para a renovatio do mundo.
Percebe-se esse anseio no esforço para descobrir a sacralidade da natureza. A importância da nudez cerimonial e das relações sexuais rituais não deve ser interpretada simplesmente como manifestações libidinosas. A revolução sexual recente tornou obsoletos tais tipos de hipocrisia e farsa. Em vez disso, a nudez ritual e as práticas orgiásticas buscam recapturar o valor sacramental da sexualidade. Pode-se falar da nostalgia inconsciente por uma existência fabulosa, paradisíaca, livre de inibições e tabus. É significativo o fato de, na maior parte dos círculos ocultistas, o conceito de liberdade fazer parte de um sistema, envolvendo as idéias de renovatio cósmica, de universalismo religioso (querendo dizer, com isso especialmente a redes-coberta das tradições orientais) e de progresso espiritual através da iniciação, um progresso que continua, é claro, após a morte. Em suma, todos os grupos ocultistas recentes têm por pressuposto, consciente ou inconscientemente, o que eu chamaria uma concepção otimista do modo de ser humano.
OUTRA PERSPECTIVA DO ESOTERISMO: RENÉ GUÉNON
É obviamente impossível resumir aqui a doutrina particular de Guénon.41 Com relação ao nosso tema de discussão, basta dizer que ele rejeitava definitivamente o otimismo geral e a esperança numa renovatio pessoal e cósmica, que parecem caracterizar o reflorescimento ocultista. Já em seus livros Orient et Ocident e La Crise du Monde Moderne, publicados em 1924 e 1927, Guénon proclamava a decadência irremediável do mundo moderno e a sua inevitável destruição. Fazendo uso de termos da tradição hindu, ele afirmava estarmos nos aproximando rapidamente da fase final da Kali-yuga, o fim do ciclo cósmico. Segundo Guénon, esse processo é irreversível. Em conseqüência, não é possível haver uma esperança numa renovatio cósmica ou social. Um novo ciclo terá início somente após a destruição completa do atual. Com relação à salvação individual, Guénon acreditava haver, em princípio, a possibilidade de contato com um dos centros iniciatórios sobreviventes do Oriente, mas que essas chances de contato eram muito limitadas.
O mais importante — e em contradição com as idéias implícitas nos movimentos ocultistas recentes — é o fato de Guénon negar a condição privilegiada da personalidade humana. Podemos citar literalmente sua afirmação de que o homem representa apenas uma manifestação transitória e contingente do ser verdadeiro... A individualidade humana... não deve ter uma posição privilegiada, "fora de série", na hierarquia indefinida dos estados do ser total; o homem ocupa nela uma posição que não é mais importante que a dos outros estados.42
Durante sua vida, René Guénon foi um autor bastante impopular. Tinha fanáticos admiradores, mas seu número era reduzido. Somente a partir de sua morte, e especialmente a partir de dez ou doze anos atrás, é que os seus livros começaram a ser reeditados e traduzidos, divulgando suas idéias. Trata-se de um fenômeno bastante curioso, porque, como eu já disse, a visão do mundo apresentada por Guénon é pessimista e anuncia um fim catastrófico iminente. É verdade que alguns de seus discípulos não dão muita importância à idéia do fim inevitável do atual ciclo cósmico, tentando, em vez disso, desenvolver sua concepção do que a tradição esotérica representava para culturas específicas.43 Posso também acrescentar que a maior parte dos seus discípulos é composta de adeptos do Islamismo ou estudiosos da tradição indotibetana.
Presenciamos, dessa forma, uma situação bastante paradoxal: de um lado, temos uma explosão ocultista, um tipo de religião "pop", característica da cultura jovem americana, segundo a qual haverá a grande renovação da era pós-Aquarius. Por outro lado, há uma descoberta e aceitação mais modesta, porém gradualmente crescente, do esoterismo tradicional, como o formulado, por exemplo, por René Guénon, que nega a possibilidade de haver uma esperança otimista de uma renovação cósmica e histórica sem uma destruição prévia do mundo moderno. Essas duas tendências se opõem frontalmente. Há alguns indícios de um esforço para se atenuar a visão pessimista da doutrina de Guénon, mas é cedo para julgarmos seus resultados.
Um historiador de religiões deve resistir à tentação de prever o que irá acontecer no futuro imediato — em nosso caso específico, prever como essas duas correntes opostas da tradição ocultista irão evoluir. Podíamos, pelo menos, tentar comparar a situação contemporânea com as do século dezenove e do início do século atual. quando, conforme vimos, houve grande interesse pelo oculto por parte de artistas e escritores. Contudo, a imaginação artística e literária de hoje em dia é demasiadamente complexa para permitir uma generalização tão ampla. A literatura de fantasy e do fantástico, especialmente na ficção científica, é bastante popular, mas não sabemos até que ponto está relacionada com as diversas tradições ocultistas. A moda underground desencadeada pela obra Jorney to the East, de Hesse (1951), antecipou o reflorescimento do oculto nos últimos anos da década de sessenta. Contudo, quem poderá interpretar para nós o sucesso surpreendente de O Bebé de Rosemary e 2001? Eu. pessoalmente, pretendo simplesmente levantar o problema.
NOTAS
1 Trabalho apresentado por ocasião da vigésima-primeira Freud Memorial Lecture, realizada na Filadélfia, a 24 de maio de 1974, e publicado no Journal of the Philadelphia Association, 1 (3): 195-213, Sept. 1974. Houve inclusão de material adicional, principalmente bibliográfico. Reimpresso sob autorização.
2 Há uma vasta literatura sobre o oculto e o renascimento do oculto. Pode-se consultar C AVENDISH, Richard. The Black Arts. Nova Iorque, 1967 ; WILSON, Colin. The Occult. Nova Iorque, 1971; HEENAN, Edward F., ed. Mystery, Magic, and Miracles: Religion in a Post-aquarian Age. Englewood Cliffs, N. J., 1973; WOOLLY, Richard. The Occult Revolution: a Christian Meditation. Nova Iorque, 1973; MARTY, Martin. The Occult Establishment. Social Research, 37: 212-30, 1970; GRF,ELEY, Andrew M. Implications for the sociology of religion of occult behavior in the youth culture. Youth and Society, 2: 131-40, 1970; TRUZZI, Marcelo. The Occult revival as popular culture: some random observations on the old and nouveau witch. Sociological Quartely, 13: 16-36, winter, 1972 (com uma rica bibliografia); TIRYAKIAN, Edward A. Toward the sociology of esoteric culture. American Journal of Sociology, 78: 491-512, Nov. 1972; . Esotérisme et exotérisme em sociologie: la sociologie à l'âge du Verseau. Cahiers Internationaux de Sóciologic, 52:33-51, 1952;Ver também , ed. On the Margin of the Visible: Sociology, the Esoteric, and the Occult. Nova Iorque, 1974; GALBREATH, Robert. The History of modern occultism: a bibliographical survey. Journal of Popular Culture, 5: 726-54, winter, 1971. Reed. em The Occult: Studies and Evaluation. Bowling Green, Ohio, 1972..
3 TIRYAKIAN. Toward the sociology of esoteric culture. American Journal of Sociology, 78: 498 s., Nov. 1972.
4 Ibidem, p. 499.
5 Sobre Eliphas Levi, ver CAVENDISH, Richard. The Black Arts. p. 31 ss.
6 Sobre Papus, ver GUÉNON, René. Le Theosophisme, Histoire d unePseudo Religion. Paris, 1921. p. 202 ss.
7 Ver VAN RIJNBECK, Gerard. Un Thaumaturge au XVllle Siècle: Martines de Pasqually. Sa Vie, Son Oeuvre, Son Ordre. Paris, 1935, 1938. 2 v.
8 Sobre Louis-Claude de Saint-Martin, "Le Philosophe Inconnu", ver FAIVRE, Antoine. L 'Esotérisme au XVIIIe Siècle. Paris, 1973. p. 188 ss. e a bibliografia citada à p. 201, n. 125.
9 REVUE ILLUSTRÉE. 15 fév. 1890. Citada por MÉROZ, Lucien.René Guenon ou la Sagesse Initiaque. Paris, 1962. p. 28.
10 Cf. CAVENDISH, Richard. The Black Arts. p. 34 ss.
11 Ibidem, p. 37 ss. ; cf. SYMONDS, J . The Great Beast. Nova Iorque, 1952. Ver também SYMONDS, John & GRANT, Kenneth, eds. The Confessions of Aleister Crowley: an Autobiography. Nova Iorque, 1969.
12 Cf. TIRYAKIAN, E. A. Toward the sociology of esoteric culture. American Journal of Sociology, 78: 504 ss., Nov. 1972.
13 Sobre René Daumal, ver. BIÈS,J ean. Littérature Française et Pensée Hindoue, des Origines à 1950. Paris, 1974. p. 491 ss. e bibliografia, p. 670s.
14 Ver especialmente CORBIN, H. En Islam Iranien. Paris, 1971-72.4 v.
15 Cf. LE FORESTIER, René. La Franc-Maçonnerie Templie et Occultiste. Paris, P)70; JOLY, Alice. Un Mystique Lyonnais et les Secrets de la Franc1ivçonnerie. Mâcon, 1938; VAN RIJNBECK, Gerard. Un Thaumaturge au .X'17Ie Siècle; FAIVRE, Antoine. Kirchberger et l7lluminisme du XVIIIe Sieecle. The Hague, 1966; . Eckartshausen et la Theosophie Chreienne. Paris, 1969; . I. Esotérisme au XVIIIe Siècle. Paris, 1973.
16 Ver SIVIN, Nathan. Chinese Alchemy: Preliminary Studies. Cambridge, Mass., 1968;.cf. ELIADE, M. Alchemy and science in China. History of Religions, 10: 178-82, Nov. 1970. Depois que essas linhas foram escritas, Joseph Needham publicou o quinto volume de seu magnífico trabalho, Science and Civilization in China (Cambridge, Eng., 1974), dedicado à Spagyrical Discovery and Invention: Magisteries of Gold and Immortality.
17 ELIADE, M. The Forge and the Crucible: the Origins and Structures of Alchemy. Nova Iorque, 1971; o livro foi originalmente publicado sob o título Forgerons Pr Alchimistes (Paris, 1956).
18 Cf. ELIADE, M. Yoga: Immortality and Freedom. Nova lorque, 1958; originalmente publicado na França (Paris, 1954; BHARATI, Agehananda. The Tantric Tradition. Londres, Nova Iorque, 1963 ; WAYMAN, Alex. The Buddhist Tantras. Nova Iorque, 1973.
19 Ver ELIADE, M. Shamanism: Archaic Techniques of Ecstasy. Nova Iorque, 1964; originalmente publicado na França (Paris, 1951); cf. a bibliografia, p. 518-69.
20 À guisa de ilustração do vasto interesse pelo xamanismo, citarei apenas duas publicações recentes: HARNER, Michael J., ed. Hallucinogens and Shamanism. Nova Iorque, 1973; e a edição suntuosa de ARTSCANADA, 184- 87, Dec. 1973/Jan. 1974, intitulada Stones, Bone, and Skin: Ritual and Shamanic Art, com numerosas ilustrações.
21 YATES, Frances A. Giordano Bruno and the Hermetic Tradition. Chicago, 1964; . The Hermetic tradition in renaissance science. In: SINGLETON, Charles S., ed. Art. Science and History in the Renaissance. Baltimore, 1967. p. 255-74; . The Theater of the World. Chicago, 1967 ; . The Rosicrucian Enlightenment. Londres, 1972. Ver também FRENCH, Peter J. John Dee: the World of an Elizabethan Magus. Londres, 1972.
22 Ver abaixo, cap. 5, Algumas Observações sobre a Bruxaria Européia.
23 GINSBURG, Carlo. I Berwndanti. Turim, 1966.
24 Cf. abaixo, Algumas Observações sobre a Bruxaria Européia.
25 HEENAN, Edward F., ed. Mystery, Magic and Miracle. p. 87. Ver também 74 CHRISTOPHER, Milboume. ESP. Seers and Psychics. Nova Iorque, 1970. p. 101 ss.; TRUZZI, Marcello. The occult revival as popular culture. p. 19 ss.; TIRYAKIAN, Edward A. Toward the sociology of esoteric culture. p. 494 ss.; MARTY, Martin. The Occult establishment. p. 217 ss.
26 TATIAN. Oratio ad Grecos. 4. 9; cf. ELIADE, M. The Myth of the Eternal Return. Nova Iorque, 1954. p. 132 ss.
27 Ver CHRISTOPHER, M. ESP. Seers, and Psychics. p. 109 ss.
28 DEFRANCE, Philippe; FISCHLER, Claude; MORIN, Edgar; PETROSIAN, Lena. Le Retour des A strologues. Paris, 1971.
29 TIRYAKIAN. Toward the sociology of esoteric culture. p. 496.
30 Publicada em 1969, The Satanic Bible foi seguida por The Compleat Witch (Nova Iorque, 1971). Ver também as declarações de La Vey, registradas por JOHN FRITSCHER, em Straight from the witch's mouth (In: HEENAN, Edward F., ed. Mystery, magic and miracle. p. 87-107). O professor E. J. Moody, após ter sido, per dois anos e meio, membro da First Church of Satan, em São Francisco, enquanto fazia observação participante, publicou um trabalho excelente, Magical therapy: an anthropological investigation of contemporary satanism, em Raigious Movements in Contemporary America, editado por Irving I. Zaresky e Mark P. Leone (Princeton, 1974), p. 355-82. De acordo com Moody, "o noviço satanista expressa seu problema em termos de ausência de poder" (p. 364): Além de ensinar mágica ao noviço satanista, seus companheiros feiticeiros e bruxos ensinam-lhe quo ele é "mau", mas há uma modificação no conceito de mau. ...O noviço é encorajado ativamente a falar sobre seus pensamentos e más (perversas) ações e elogiado, em vez de repreendido, por causa delas. Ë um princípio da teologia satânica que o mal depende do tempo e do lugar em que o ato é praticado. ...r opinião da Igreja Satânica que "os feiticeiros da luz branca" (os cristãos) transformaram em pecado os impulsos humanos, a fim de fazer com que as pessoas cometam transgressões. Os cristãos, então, criando a dependência da salvação acs dogmas do Cristianismo, "subjugaram" as populações e fizeram-nas dependentes da Igreja de Cristo. Há, desta forma, liberdade condicionada ao medo. Os satanistas, ao contrário, convencem seus novos adeptos a regozijarem-se com sua própria humanidade, a dar em rédea solta a seus impulsos naturais e a satisfaze1e,n seus apetites sem medo ou culpa. Constantemente lembra-se aos membros que o homem é o animal humano e eles são encorajados a jogar fora os grilhões do Cristianismo e descobrir a elegria de viver. (p. 365) Naturalmente, esta alegria de viver está organicamente relacionada com uma desinibição sexual. É possível reconhecer-se o padrão dos velhos movimentos europeus antinomianos, assim como traços de orientações mais modernas (por exemplo aquelas de A. Crowley, J. Evola, etc.).
31 "A Universidade da Califórnia, a 16 de junho de 1970, concedeu o primeiro grau de Bacharel em Artes, em Mágica, conferido neste país." (HEENAN. In: HEENAN, Edward F., ed. Mystery, magic, and miracle. p. 88.) Ver Também TRUZZI. The Occult revival. p. 23 ss.; MARTY. The Occult establishment. p. 215 ss.; HEENAN, Edward F. Wich witch? Some personal and sociological impressions. In: , ed. Mystery, Magic and Miracle. p. 105-18; LYONS, Arthur. The Twisted roots. In: HEENAN, Edward F., ed. Mystery, Magic and Miracle. p. 119-38.
32 ELLWOOD, Jr., Robert S. Religious and Spiritual Groups in Modern America. Englewood Cliffs, N. J., 1973. p. 179 ss. Ver também LARSEN, Egen. Strange Sects and Cults: a Study of Their Origins and Influence. Nova Iorque, 1971; ROWLEY, Peter. New Gods in America. Nova Iorque, 1971; PETERSON, William J. Those Curious New Cults. New Canaan, 1973; BRADEN, William. The Age of Aquarius: Technology and the Cultural Revolution. Chicago, 1970.
33 ELLWOOD, JR., & Robert S. Religious and Spiritual Groups. p. 179.
34 Ibidem, p. 104.
35 Ibidem, p. 203. Uma "nova religião", mais complexa e de grande sucesso, reunindo uma técnica terapêutica, baseada numa concepção bastante avançada da mente, com alguns elementos do ocultismo tradicional, é a cientologia,. fundada por L. Ron Hubbard. Ver MALKO, George. Scientology: the Now Religion. Nova Iorque, 1970; WHITEHEAD, Harriet. Scientology, science fiction, and occultism. In: ZARESKY, Irving I. & LEONE, Mark P., eds. Religious Movements in Contemporary America. p. 547-87.
36 ELLWOOD, op. cit., p. 195.
37 ELLWOOD, Robert S. Notes on a neopagan religious group in America. History of Religions, 11: 138„ aug. 1971. Em seu livreto The Kore (Feraferia, Inc., 1969), Frederick Adams relaciona o reaparecimento do arquétipo feminino, a ninfeta celestial, com a Era de Aquarius: A fim de inspirar a nascente Era Eco-Psíquica de Aquarius, que subsistirá se for devidamente celebrada, está reemergindo uma divindade desaparecida há muito tempo: a Donzela Jovial, a Madona, Rima, Alice no País das Maravilhas, a Princesa Ozma, Júlia, Lolita, Candy, Zazie do Metrô, Brigitte, Barbarella, e Windy — um amálgama grotesco e absurdo à primeira vista — são todas formas precursoras da Ninfeta Celestial. Somente ela pode promover a interação livre entre as três outras divindades antropomórficas da Santa Família. Essas são: a Grande Mãe, que dominou a Antiga e a Nova Idade da Pedra; o Grande Pai, que iniciou a Era Patriarcal Anterior; e o Filho, que cristalizou a mentalidade megalopolitana característica da Era Patriarcal Posterior. Tratase da Graciosa Filha do Crescente Argênteo, que irá reitengrar a obra ultrapassada do Pai e a do Filho do campo material da existência sem sacrificar os resultados válidos da articulação masculina. E ela consegue realizar isso sem deformar as imagens da autoridade patema ou heróica. Como é delicioso contemplá-la fazendo novamente, através do gracejo e do encanto pessoal, com que o Pai e o Filho ajam como deuses pagãos respeitados e promotores dos valores da Vida. (Citado por Elwood, em Notes, p. 134.)
38 Na realidade, conforme já salientaram Theodore Roszak e Harvey Cox, toda a (contra) cultura jovem volta-se para uma renovatio radical, existencial. O fenômeno tem precedentes na história européia relativamente recente. Alguns traços específicos dos movimentos jovens contemporâneos caracterizaram o famoso movimento de jovens alemães de antes da Primeira Guerra Mundial, o Wandervogel. Ver ADLER, Nathan. Ritual, release, and orientation. In: ZARESKY, Irving I. & LEONE, Mark P., eds. Religious Movements in Contemporary America. p. 288-89.
39 Ver ELIADE, M. Birth and Rebirth: Meanings of Initiation in Human Culture. Nova Iorque, 1958; reeditado como Rites and Symbols of Initiation. Nova Iorque, 1965. p. 115 ss.
40 Ver MÉROZ, Lucien. Renê Guénon ou la Sagesse lnitiatique.
41 Devemos logo acrescentar que essa doutrina é bastante mais rigorosa e convincente do que a dos ocultistas e herméticos dos séculos dezenove e vinte. Para uma introdução a ela, ver MÉROZ, op. cit., p. 59 ss. Ver também BIES, Jean. Littérature Française et Pensee Hindoue. p. 328 ss. c a bibliografia, à p. 661 s.
42 GUÉNON, R. La Métaphysique Orientale. Paris, 1937. p. 12 ss.
43 Ver, inter alia, os ensaios de Frithjof Schuon, Marco Pallis, Titus Burckhardt e outros, em The Sword of Gnosis: Metaphysics, Cosmology, Tradition, Symbolism (Baltimore, 1974), editado por Jacob Needleman.
Retirado do Livro: Ocultismo, bruxaria e correntes culturais - Mircea Eliade
...
Nenhum comentário:
Postar um comentário